sábado, 20 de dezembro de 2008

Análise do Conto “A Chinela Turca”, de Machado de Assis por Joyna Petta



O conto A Chinela Turca, escrito por Machado de Assis, é um texto extremamente rico, pois além de fazer uso de uma linguagem interativa, também revela um senso de humor sarcástico, e além do mais exige muita atenção do leitor.
Faz-se mister elucidar no conto a importância que o imaginário exerce nas narrativas ficcionais, pois a relação do fictício com o real é na verdade uma propriedade fundamental deste tipo de narrativa. A descrição feita por Machado de Assis adequou o sonho como descrição da realidade. A Chinela Turca faz parte do volume Contos fluminenses e Papéis Avulsos e pertence à corrente literária realista.
Percebe-se na narrativa a relação do “sonho” com a “realidade” e do “real” com o “imaginário”. Este depreende-se na seguinte passagem: “De repente, viu Duarte que o Major enrolava outra vez o manuscrito, erguia-se, empertigava-se, cravara nele uns olhos odientos e maus, e saía arrebatadamente do gabinete...”, a partir deste ponto a imaginação de Duarte dá origem a uma série de acontecimentos mirabolantes, numa narrativa acelerada e envolvente que irá se deparar mais adiante com a realidade em um dado momento, aquele quando o narrador declara: “Fitou os olhos no homem. Era o Major Lopes Alves. O Major, empunhando a folha, cujas dimensões iam-se tornando extremamente exíguas, exclamou repentinamente: - Anjo do céu, estás vingado! Fim do último quadro”. Neste trecho percebe-se à volta ao mundo real feita pelo protagonista, que em meio ao tédio da peça do Major, permitiu-se fugir da presença da visita enfadonha, lançando mão da única rota de fuga possível, a imaginação.
Em ambos os casos se percebe a perícia do autor, pois ele trabalha de forma magnífica este jogo de realidade e imaginação, selecionando cuidadosamente fatos, lugares e personagens e combinando-os na construção de relações que extrapolam os limites do conto, forçando a participação efetiva do leitor, visto que esta passagem da vigília ao sonho se dá de modo sutil, imperceptível à primeira leitura, igualmente como acontece na experiência de sonhar. O imaginário do leitor também vem completar o texto.
Assim, Machado de Assis distingui-se dos outros escritores por sua originalidade. Este conto inclusive possibilita a exposição de conceitos da psicanálise de Freud, como o impedimento do desejo, este de Duarte em relação ao encontro com Cecília, derivado da consideração da amizade que seu falecido pai tinha pelo Major, além de outro dado conciliador, este também era aparentado de seu amor. O “suplício” de Duarte já encontrara suas justificativas, enquanto que o sonho surge como uma alternativa de compromisso, mantendo Duarte fisicamente na presença do maçante major, ao mesmo tempo em que desenvolve sua fantasia com Cecília, havendo, portanto uma permutação de significantes do texto literário de Lopo Alves com os significantes da relação de Duarte com Cecília.
Uma leitura intrigante, envolvente e que foge do óbvio, marca registrada de Machado de Assis, que também foi fundador e primeiro presidente da Academia Brasileira de Letras, onde ele está literalmente em casa*.



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* A Academia Brasileira de Letras também é chamada de Casa de Machado de Assis.



http://www.cce.ufsc.br/~nupill/literatura/chinela.html