segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Análise do conto “O espelho”, de Machado de Assis por Joyna Petta


O conto “O espelho”, escrito por Machado de Assis analisa as pressões sociais de que se é vítima, como também critica e, implicitamente, alerta o leitor para as conseqüências, inclusive psíquicas, destas pressões sobre o indivíduo. No conto, Machado mostra toda sua genialidade misturando filosofia, psicanálise, lingüística e literatura, revelando com sensibilidade e riqueza de detalhes a interação entre estes campos do conhecimento na reflexão sobre a natureza humana na formação de sua identidade e os fatores que influenciam este processo.
O autor inicia o texto em terceira pessoa, narrando sobre a conversa de um grupo de amigos sobre “questões de alta transcendência”, porém um personagem toma a palavra, ganha destaque tornando-se personagem principal e a partir daí, narra em primeira pessoa seu pensamento sobre a composição da alma humana, justificando desta forma o subtítulo dado ao conto “Esboço de uma Nova Teoria da Alma Humana”, na qual este personagem chamado Jacobina diz que “cada criatura humana traz duas almas consigo: “uma que olha de dentro para fora, outra que olha de fora para dentro...”, e acrescenta que “a alma exterior não é sempre a mesma...”, pois segundo ele esta “muda de natureza e de estado”. Para comprovar sua teoria, Jacobina exige total atenção e nenhuma conjetura, e passa a narrar um fato que aconteceu em sua vida, quando tinha apenas vinte e cinco anos de idade e foi nomeado alferes da guarda nacional. A partir daí Jacobina conta a transformação da sua auto-imagem e da sua autoconsciência com as mudanças promovidas com a ascensão social e os privilégios que o posto de alferes o proporcionou no seio familiar e na comunidade da qual fazia parte. Esta posição de destaque é ainda mais explícita quando Jacobina vai passar uns dias no sítio de sua tia, viúva de capitão, que o venera chamando-o repetidamente de “seu alferes” ao invés de “Joãozinho” como antes era chamado. A mudança de status mudou o nome do personagem e vai mudar também a constituição da imagem que o próprio Jacobina faz de si mesmo, tornando sua vida dependente de tudo que fosse relacionado ao cargo de alferes, fora isso tudo perde o sentido. Nessa perspectiva, o conto faz uma reflexão sobre a guerra travada dentro do ser humano entre a essência e a aparência. O título de alferes fez com que a família de Jacobina e ele próprio esquecessem quem ele era realmente, a alma interior, alimentando somente a aparência, a alma exterior, dando espaço para a alienação e o narcisismo, bem representado pela metáfora do espelho magnífico que não consegue refletir a imagem de jacobina sem a farda de alferes e no alívio trazido pelos sonhos que retomam a realidade construída com o discurso elogioso dos seus familiares.Percebe-se que o ato de “vestir a farda” pelo protagonista significa um recurso de buscar no espelho o olhar dos outros que se ausentaram deixando-o sozinho e, portanto sem platéia, culminando para a conclusão do narrador quando elucida sobre o resgate trazido pelo espelho “Não era mais um autômato, era um ente animado. Daí em diante, fui outro”.Assim, Machado mostra as idiossincrasias do homem em sociedade, um ser que se percebe a partir do que os outros pensam dele, um ser incompleto e imperfeito que está sempre buscando formas de superar o vazio criado pelo desejo insatisfeito do ser.

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