segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Análise do "Sermão de Santo Antônio aos peixes", de Padre Antônio Vieira, por Joyna Petta


Considerado inovador para a época, porque pregava a tolerância racial, Pe. Antônio Vieira no “Sermão de Santo Antônio aos peixes” fala sobre as virtudes e os vícios humanos, utilizando uma linguagem simples, porém recheada de referências bíblicas, mitológicas e filosóficas que dão riqueza aos argumentos tão bem trabalhados pelo autor, no sentido de levar o leitor a refletir suas próprias atitudes e pensamentos.Nesta obra, Antônio Vieira deixa à mostra sua genialidade na escolha das palavras, na profundidade e clareza com que são utilizadas, nas imagens e simbologias que cria e que permitem além do entendimento, um questionamento que ultrapassa a questão religiosa, demonstrando seu posicionamento político revolucionário que ia contra as ambições da própria igreja da qual fazia parte. Posicionamento este, que lhe custou sua liberdade por um período de tempo.
O “Sermão de Santo Antônio aos peixes”, obra do estilo barroco, foi proferido em São Luís do Maranhão, no ano de 1654, período no qual a colônia portuguesa tentava se impor e se expandir pelas terras brasileiras. Em todo texto, o padre detalha este ambiente histórico conflituoso, “a maldade é comerem-se os homens uns aos outros, e os que a cometem são os maiores, que comem os pequenos”. Aqui, os maiores são os brancos colonizadores e os pequenos que são os povos nativos que se reduziam drasticamente por conta das ambições européias. Observa-se que o escritor alude esta questão de forma pedagógica, ressaltando nos peixes características humanas, separando bem e mal, mostrando a capacidade que o bicho homem tem de ser, ao mesmo tempo, algoz e vítima nas relações com os outros e, sobretudo consigo mesmo.
No quarto capítulo do sermão, o padre inicia as repreensões aos peixes, o que na verdade é uma crítica à cobiça e à perversidade que faz com que os homens se matem uns aos outros. Ele também critica o julgamento sumário, que trata como culpado o que ainda nem se defendeu das acusações sofridas, atitude muito presente na Inquisição. A ganância é alvo também de suas queixas, segundo ele os grandes enviados para governar e aumentar o Estado, o destruíram, por causa da fome que trouxeram de sua terra natal e que era saciada à custa das carnes dos pequenos. O orador faz uso de jogos metafóricos, como por exemplo, “toma um homem do mar um anzol, ata-lhe um pedaço de pano cortado,..., e em vendo o peixe, arremete cego a ele e fica bloqueado,..., acaba de morrer”, com o objetivo de discutir sobre a ignorância e a cegueira dos colonizados que se iludem com as vaidades das quinquilharias trazidas pelos colonos. Assim, vê-se na obra de Pe. Vieira um alerta para uma nova forma de ver o mundo, não através das explicações consolidadas pela força dominante, mas por meio da arte retórica e da multiplicidade de sentidos que geram a conscientização proporcionada pela reflexão que fragiliza as justificações a favor da opressão, da escravidão e da morte.

http://www.portoeditora.pt/bdigital/pdf/NTSITE99_SerStoAntPeix.pdf

Capítulo analisado: IV
Palavras-chaves: Repreensões, Perseguição, Vaidade
Foto: Mike Johnston